Em Vigília Permanente pela Libertação de Anderson Sá

por Jurema Cintra Barreto- advogada, blogueira e ativista de direitos humanos


 

A prisão, no meu entender, indevida, do advogado criminalista Anderson Sá, me trouxe à baila diversas lembranças. Sou uma contadora casos e causos, sempre gostei de ouvir meus avós, meus pais, os amigos e vizinhos de roça de meu avô além dos mais antigos da família. Na Chapada Dimantina o que não falta é história de cobra, lobisomem, onça e outros encantados. Na Faculdade, meus colegas de república estudantil e de universidade se lembram muito bem de algumas pitorescas histórias. Um dos temas recorrentes era “Toinho”, um primo de minha avó materna lá de Ipupiara, o fim de linha de uma estrada bonita nos rincões da Bahia, por coincidência meu pai é de Ipupiara, um tio querido Wilson e uma colega de turma de Direito, é coincidência mesmo. Pois bem, Toinho tinha umas frases e umas ideias estapafúrdias, de tanto repetir poderia ser meme de Facebook.  Ele tinha uma série de idiossincrasias, de manias, de jeito de fazer as coisas. Algumas falas era de baianidade pura , tão comuns pelo sertão até o litoral. Um Cristão Católico fervoroso, não gostava de evangélicos, não gostava de homens com cabelo grande, não gostava de passas no arroz, não gostava de alface, não gostava de tomar banho regularmente(morreu com mais de 70 anos e cabelos pretos). Quando ele via uma dessas coisas dizia logo:

  • Só um tiro na cara desse homens de cabelo grande, se eu fosse presidente eu pegava, botava na parede e passava o facão  no cabelo;
  • Só um tiro nesses “crentes”, se eu fosse presidente passava longe, tinha de ter cemitério separado;
  • Só um tiro na cara nesse povo que bota essas “moscas”(uva-passa) no arroz;
  • Só um tiro na cara , quem bota esse “capim”(alface) na mesa do almoço;
  • Tá desrespeitando mulher? Só um tiro na cara.

E quando alguém o recriminava, dizia logo: – Você é promotor?

Engraçado que ele fazia o gesto com a mão como se estivesse com uma arma. Toinho nunca teve uma arma, nunca cometeu nenhum ato agressivo conosco, nem com nenhum evangélico, nem com os homens cabeludos, nem com as cozinheiras. Tudo isso era modo de falar de suas posições atordoadas, a famosa BRAVATA. Ao contrário, sofreu muito bullying, muita perseguição, eram frequentes as chacotas para com ele.

Mas o que isso tem haver com o Dr. Anderson Sá de Oliveira, colega itabunense que foi detido acusado de tramar a morte de uma juíza carioca? Tudo!!

No exercício de seu múnus de GRAVATA, a advocacia, ele foi pegou numa interceptação telefônica, que a imprensa publicou 10 segundos apenas e de forma descontextualizada em que ele fazia uma dessas BRAVATAS(disse: só  tiro na cara e a vontade era voar no pescoço e esganar), que na baianidade dizemos em momentos de raiva, e nem por isso fazemos ou concretizamos, é modo de dizer, mesmo que imprudente e indevido. Indevido na conduta em sociedade, mas numa conversa íntima com seu cliente?? Ora, não serei Hipócrita, tem uma brincadeira do Quem Nunca? que se faz muito em barzinho, no afã da cerveja e da bebida, vamos lá:

Quem nunca na intimidade do seu escritório, sozinho xingou um juiz que REDUZIU SEM MOTIVO SEUS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS?

Quem nunca xingou um promotor que saiu de férias e não despachou aquele seu pedido urgente?

Quem nunca xingou um desembargador que excluiu uma indenização de danos morais?

Quem nunca xingou um juiz que indeferiu todos os seus pedidos de prova?

Quem nunca xingou um juiz que demorou 3 meses para assinar seu alvará, a liberação do pagamento?

Quem nunca falou uma palavra odiosa?

 

Repito, não sejamos hipócritas, isto não significa desrespeito, num momento íntimo e sem implicações sociais alguma a gente desabafa mesmo, mas em sociedade a gente se pole, a gente se controla, a gente repensa a própria raiva e aceita, a gente se educa, por que viver em comunidade é perceber o outro a todo momento, assim nos trabalhamos todos os dias para uma CULTURA DE PAZ, que tanto defendo. Mas quando estamos só, ou com um amigo íntimo, ou com o cliente, desabafamos, de forma imprudente repito e friso, e nem por isso significa que irei sair por aí matando pessoas, ou destilando ódios. O outro lado também existe, canso de elogiar bons magistrados, mesmo perdendo a causa, sei do zelo, da dedicação , do compromisso, do sentimento de justiça que carregam.

Mas depois que o ex-Ministro Jaques Wagner foi flagrado xingando o presidente da OAB nunca conversa íntima com o presidente Lula, seu amigo de mais de 30 anos, todos viramos PURITANOS e PURITANISTAS. “Nossa que absurdo”, “nossa que conduta” ” nossa que desrespeito”. Nem nos demos conta do risco que estamos correndo, um risco da ameaça à nossa intimidade protegida na Constituição. É um grande perigo que vive a advocacia criminal, sempre confundidos pela mídia, os atos do advogado criminalista com os atos de seus clientes.

Ora, o advogado que faz esses “xingamentos no íntimo”, pode até pensar algo indevido, mas nunca fazê-lo. A raiva passa em minutos, a gente vai se polindo,  entendendo e utilizando os meios adequados, recursos, representações enfim os meios legais do Direito, nunca a força ou a ameaça.

Eu não li o inquérito, não tenho conhecimento do inteiro teor das conversas por isso não tenho como aprofundar nas questões da causa em si, vi apenas o trecho seletivamente encaminhado à imprensa e aí vão as perguntas inquietantes:

Como a Globo teve acesso à gravação em inquérito sigiloso?

Qual o inteiro teor da gravação?

Quem estava grampeado? o advogado ou sua cliente?

Por que acontecem esses vazamentos seletivos de interceptações à imprensa?

Como podemos aceitar tantos dias de prisão, de cerceamento da liberdade de um advogado simples, humilde, um esportista?

Onde fica a presunção de inocência?

Para os leigos no Direito é importante ressaltar que a comunicação entre advogado e cliente é inviolável conforme artigo 6º, inciso II da Lei Federal 8906/1994, o Estatuto da OAB, e de não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar, conforme inciso V no mesmo artigo.  Outro princípio importante que a grande mídia e o juízes do Facebook (são milhões) perpassa por um esquecimento voluntário e o princípio da INOCÊNCIA, artigo 5º da Constituição Federal, inciso  LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A condenação moral muitas vezes é pior do que a condenação jurídica. Se ele cometeu algum crime que seja investigado e punido, mas é preciso garantir suas prerrogativas profissionais.

Não é por que somos melhores ou piores, não é um privilégio, é um reconhecimento do papel da advocacia na defesa dos direitos de terceiros e da sociedade, é uma garantia do cidadão que o seu defensor possa trabalhar com liberdade, autonomia, que não será acuado, que poderá entra e sair de órgãos públicos, que poderá conversar com seu cliente em sigilo, que pode abter cópias, ter acesso a qualquer processo, enfim que assegurará o fiel cumprimento das leis, e os advogados e advogadas criminalistas não defendem o crime, eles e elas defendem a legalidade.
Eu não li a investigação carioca  que o acusa de lavagem de dinheiro, é sigiloso, posso falar do colega no dia-a-dia, mesmo caindo no risco da opinião pública não entender.
O Anderson Sá que conhecemos é um advogado simples, não é rico, anda com um carro popular usado, surfa todo fim de semana em Olivença e Itacaré, não ostenta, não anda de roupas caras, não faz viagens caras, é ligado a questões ambientais, acampa, cata lixo nas praias. Senta conosco em restaurantes à kilo, é alegre, não é agressivo mas combativo. Altivo. É falastrão sim e no entendimento de qualquer baiano sabemos que as palavras dele foram um desabafo, modo de dizer. Eu estou mortificada sim, de ver a vida de um advogado  ser destruída pela mídia, pelos facejudges, por essa história de vazamento seletivo de gravações.  Entre bravatas e gravatas a luta pelo direito tem dessas quedas que nos fortalecem. Força Anderson, estamos em vigília permanente por sua libertação.