por Jurema Cintra Barreto- advogada feminista
Precisei fazer uma viagem ao Rio de Janeiro tanto a trabalho como visitar parentes e parece que cometi um grave crime: EU VIAJEI SOZINHA
Desde que voltei estou angustiada pensando nesta crônica, primeiro pensei em intitular de : o Homem Invisível , porém como sou advogada, puxei pelo lado jurídico.
Sim, uma mulher viajar sozinha, para uma grande capital parece o cometimento clássico de um crime. Existe todo um modus operandi do turismo : Casal? Família? Amigos? Grupos de Excursão? Mas viajar só parece um crime aos olhares alheios.
CENA DO CRIME – PARTE 1
De cara quando você chega no hotel vem uma frase que ouvi 2 vezes nos hotéis que me hospedei :
– Está esperando alguém? Mais alguém para se hospedar?
Senhoras e senhores, eu fiquei pasma!! Levei na esportiva, mas não deixei de comentar:
– Senhora na minha reserva diz o quê?
– 1 pessoa?
– Então 1 pessoa, é 1 pessoa… algum problema? É “estranho” ver mulher sozinha?
– Não, não, me desculpe, boa estada!
Sabe, ninguém foi descortês comigo, ou mal educado, mas a semiótica das frases e perguntas eram lamentáveis. Eu cheguei sozinha, desci do táxi sozinha, estava sozinha no balcão, tinha apenas 1 mala, e me pergunta se o quarto é para 1 pessoa????? Valei-me!!!! Santo machismo!!!!
Eu fico a imaginar… … era um Hotel 4 estrelas, no Rio e Niterói … fiz reservas com antecedência, já estavam pagas, no sistema do hotel aparece 1 pessoa, 1 quarto. E as perguntas são tão machistamente absurdas que fiquei a imaginar situações bizarras tão quanto a pergunta?
- Será que a recepcionista do Hotel tem esquizofrenia e vê vultos e pessoas??? Por que eu estava sozinha no balcão, ninguém mais.
- Será que ela é médium espírita(ressalvada a brincadeira) e via pessoas ao meu lado? Só pode ser meu anjo da guarda para me proteger de tais atos de machismo.
- Será que lançaram o filme O HOMEM INVISÍVEL e eu não estava sabendo?
- Será que eu tinha cara de profissional do sexo e estava esperando alguém??? (e tem cara para isso??? sou advogada de várias prostitutas e tenho orgulho de defender mulheres)
- Será que eu tinha cara de golpista, iria me hospedar sozinha e colocar alguém para dentro do quarto, dar um olé no Hotel? Vê se tenho cara de apoiar golpe?? minha gente só para lembrar #FORATEMER
- nenhuma das respostas anteriores ….. AAAAAAHHHHHHH!!! A CRIMINOSA aqui estava sozinha mesmo. O julgamento moral é constante e permanente.
Aproveitei para dialogar humildemente com os recepcionistas, uma mulher e um homem sobre aquelas perguntas, eram estranhas, quem sabe eles não mudam a política.
CENA DO CRIME – PARTE 2
O que tem de mais carioca em comer bolinho de bacalhau e tomar um chopp escuro? HUMMM, adoro. Minha mãe é de Niterói, então é um hábito passado de mãe para filha. Você senta em qualquer barzinho delicioso da Zona Sul(que é um gueto, pena que o resto da cidade não seja assim, os cariocas de todos os bairros merecem uma cidade limpa, segura e saudável), aí começa nosso diálogo:
– Mesa para 1 por favor?
– Para 1?
– Sim, para 1.
– Cardápio por favor?
– aceita uma água ou suco?
– hãaa, “whisky duplo por favor” ??? brincadeira
Outro Bar:
Você senta, pede uma cerveja, aí vem o garçom com 2 copos:
– Oi? 1 copo, só, por favor?
– Está esperando alguém?
– Por que estaria?
Se chegar outra pessoa ou pessoas com certeza eu pediria outros copos.
Mas uma mulher sentada sozinha no bar, é “incompleta”, somente um homem para fazer uma unidade.
Leia também: Salar do Uyuni sem Perrengues- aventura na Bolívia
Longa viagem pela América do Sul – o que levar na mala?
Reveillon em Vina del Mar- Chile
CENA DO CRIME – Parte 3
Sai sozinha para uma balada é cometer crime continuado, fui numa famosa casa de samba na Lapa. Já o começa pelo Uberista: Mas você está sozinha??? “Poxa!!!” Poxa de quê? Minha viagem está ótima! A outra : ” Você não tem medo? Andar sozinha?”??? Quase abro a página de Grande sertão Veredas e soletro Guimarães Rosa: “V-I-V-E-R É MUITO ARRISCOSO”. Bem, ando de Uber justamente por que acho muito mais seguro.
Bilheteria:
– 1 ingresso , por favor?
– Só 1?
– Sim, só um?
Pede uma cerveja ao garçom, ele também vem com 2 copos, mas você está sentada sozinha na mesa, é demais, será que precisa de óculos, ou aquele homem invisível está do meu lado ainda? !!!
Aí sempre tem um engraçadinho puxando papo, algum até educado, sendo educado, eu não ligo não, eu gosto de conversar e fazer amizades, sem flerte, claro.
Um engraçadinho passa e diz: – ô que pena, ela tá sozinha! pena de quem?, eu estava me divertindo horrores com a banda Blood Mary and Munsters.
Dançar sozinha: outro crime, ficam olhando, parecendo que sou ET e eu só mandando beijinho no ombro.
Definitivamente eu fui condenada, na compra de um ingresso do museu, no teatro, pelos garçons: a frase, está sozinha, ôôô!! Ainda ouvi a pérola “se fosse minha mulher eu não deixava não, seu marido deve sentir muito ciúme.” Uma preciosidade da machista língua portuguesa, análise sintática da frase, onde está o Sujeito? MORTO!!! Que nada! Ando bem mais leve com relação a esses comentários, fui educada com o rapaz e mostrei o outro lado da coisa, e fiz ele pensar sobre esta frase tenebrosa, fizemos até amizade, hoje em dia, penso que devemos fazer enfrentamentos quando realmente é necessário e não gastar energia à toa. Se fosse rude com ele só estaria devolvendo a mesma violência que ele me disse, sim, é uma frase VIOLENTA. Sou dona de meu corpo, meus pés, meu destino. Escolhi caminhar junto de meu esposo e o respeito, mas isso nunca me impedirá de ter liberdade, ainda mais que era um compromisso de trabalho e familiar. Claro que o Rio de Janeiro continua lindo e aquele rapaz da frase VIRULENTA, me pediu desculpas e disse que não iria mais pensar assim, talvez minha gentileza tenha combatido o machismo, mesmo que só um pouquinho!!
GENTILEZA GERA GENTILEZA, apesar de tentarem me INVISIBILIZAR, fui altiva, fui, vi e amei! me reconciliei com o Rio de Janeiro e no próximo post eu darei dicas desta viagem incrível.
Leia aqui: Fiz as pazes com o Rio de Janeiro
Adorei sua crônica!
Cássia, obrigada por acompanhar a Blog. Comentários como seu nos incentiva a continuar.
Poxa Cássia, valeu, ouvir isso de outra mulher é muito gratificante e só nos estimula a continuar escrevendo!!!
Peço um favor, se gostou, compartilhe em suas redes sociais e ajude a libertar tantas mulheres que desejam viajar sozinha e ainda tem medo. Grande abraço.
Adorei tudo! Parece que mulher que não tem um chaveiro (homem/mulher) como for, não é ninguém ou está vagando no mundo. Parabéns.
Valeu Kátia, que bom que o texto te sensibilizou! A ideia é estimular mais viajantes e de forma delicada vamos vencer este machismo do dia-a-dia.
Jurema, vim procurar infos sobre o Salar de Uyuni e fiquei fuxicando. E agora quero ser sua amiga! kkk Obrigada pela lucidez e pelos posts (que são importantes pra todas nós). Bjs
Que legal Renata. Foi fuxicando os blogs dos outros que fizemos uma ótima travessia do deserto.
Abraços e estou no instagram @juremacintra – Advogada que Viaja