Por Marialvo Barreto
Se você ainda não sabe
Vou lhe dizer o que é
O umbuzeiro é uma planta
Que na caatinga tem pé
Resistente a toda seca
Sagrado pra quem tem fé
É um símbolo do Nordeste
Onde o sol é de rachar
No tabuleiro e na serra
Em todo lugar estar
Só existe no sertão
Porque este é seu lugar
É uma moita fechada
Capricho da natureza
Sua sombra é muito fresca
É grande a sua beleza
Umbu é como se chama
O fruto que vai pra mesa
Da caatinga é a rainha
Das plantas que Deus criou
Alimenta rico e pobre
Analfabeto e doutor
E o sabor da sua fruta
Nosso povo consagrou
O sertanejo é quem chama
Sua fruta de imbu
E serve de alimento
Para mico e caititu
Pra bode, cabra e ovelha,
Guará, raposa e tatu
Tem umbu que é bem doce
Como o mel de uma flor
Também quando é azedo
Na boca chega dar dor
Faz bode berrar zangado
Relegando seu sabor
Tem umbu liso e redondo
Verde, maduro e inchado,
Grande, médio e pequeno,
Tem até umbu rachado
Tem do caroço miúdo
Pra se chupar descascado
A coisa que mais me alegra
É ver umbu “fulorar”
E escutar as abelhas
Com zum-zum-zum a voar
Ver o renovar da vida
Presente neste lugar
Na época das trovoadas
Depois do mês de setembro
Sua safra é de fartura
Ainda bem que me lembro
Do chão forrado de frutas
Em pleno mês de dezembro
No sertão tem o costume
De umbuzeiro dar nome,
Tem pé de umbu da pedra
Da cobra e do vagalume,
Da onça e da vaca seca
Da cacimba e do velame
Tem umbuzeiro de Tonha
De Zé de Sarapião,
De Zeca de Zé Pretinho
De Rosa e Mané Bião
De Bidé da Gameleira
E de Cosme Gavião
Outras frutas da caatinga
Correm o risco de acabar
Já não vejo mais o icó,
Cambuí e cambucá
Ah! Como tenho saudade…
Do gosto do trapiá
Quando o umbuzeiro cresce
Na beira de uma estrada
É açoitado de vara
Recebe muita pedrada
Fica todo arrebentado
De tanto levar pancada
A folha do umbuzeiro
É alimento sagrado
No desespero da seca
Vira comida de gado
E todo bicho que vive
Pelo sertão embrenhado
Mas nem tudo é alegria
Pelas grotas do sertão
Tem fazendeiro malvado
Raivoso e sem compaixão
Cortando pé de umbu
Pra plantar capim no chão
Devasta toda a caatinga
Sem dó e sem piedade
Corta até o umbuzeiro
Na mais dura crueldade
Sem falar no juazeiro
Pra completar a maldade
Acho muita malvadeza
Tirar raiz de umbuzeiro
Pra fazer doce de corte
E se trocar por dinheiro
E prejudicar a planta
No período do sequeiro
Se o umbuzeiro falasse
Eu passei a imaginar
Como seria a peleja
Com quem fosse lhe cortar
E leia com atenção
O que tenho pra contar
U aqui é umbuzeiro
R aqui é roçador
Vai ser uma peleja dura
De sentimento e de dor
Entre a bela natureza
E o ser devastador
U – Aqui eu nasci e cresci
Na seca deste torrão
Espalhado em toda parte
Pelas brenhas do sertão
Forneço sombra e alimento
Aos viventes deste chão
R – Estou de foice na mão
Pelo patrão enviado
Vou roçar esta caatinga
Deixar o mato virado
Arrumar tudo em coivara
Que pasto vai ser plantado
U – Com mais de quinhentos anos
Que nesta terra nasci
Nunca vi o seu patrão
Catando umbu por aqui
Vá e pergunte pra ele
Qual foi o mal que lhe fiz
R – O capataz me chamou
Pra fazer este serviço
Foi a mando patrão
Não vejo nenhum mal nisso
Receber sete reais
De diária o compromisso
U – Se você catar umbu
E for à feira vender
Vai aumentar o valor
Em dinheiro pra você
Vai dar sete vezes sete
É só conferir para crer
R – Mas se o imbu está verde
Como é que vou fazer?
Se já tivesse maduro
Quem sabe não ia ver
Se eu enchia um balaio
Pra na cidade vender
U – Sua pressa é sem razão
Veja o que vou lhe contar
Apressado come cru
Diz o dito popular
Estou lhe dando um conselho
Só quero lhe ajudar
R – No aço da minha foice
Ganho o pão de cada dia
Sustento mulher e filho
Lá na minha moradia
Vou derrubando caatinga
Que acho sem serventia
U – Deixe de ser rude homem
Que por aqui já lhe vi
Chupando umbu maduro
E quebrando licuri
Comendo fruta de palma
E caçando juriti
R – Isto já faz muito tempo
É coisa do meu passado
Na minha morada agora
Tem velhinho aposentado
Do mato tenho lembranças
De quando ‘tava apertado
U – Ainda me lembro bem
Quando aqui você chegou
Fez o trabalho e sumiu
Deixando grande fedor
Mas do umbu tinha caroço
Na “ruma” que tu deixou
R – Se imbuzeiro fosse
Planta que desse dinheiro
Seria coisa difícil
Só tinha no estrangeiro
Mas como só dá imbu
Vira pau de galinheiro
U – Do umbu faz doce e suco,
A saborosa umbuzada,
Vai misturada com leite
Com açúcar é adoçada
Reforçando o sertanejo
Na sua dura jornada
R – Faltam 10 pra meio dia
Vou a panela esquentar
A barriga já roncou
Vou minha fome matar
Debaixo deste imbuzeiro
Depois vou me descansar
U – Minha sombra agora serve
Para a tua maresia
Vou açoitar os meus galhos
Na força da ventania
Para lanhar as tuas costas
Cabra ruim sem serventia
R – Praga de urubu magro
Em boi gordo ela não pega
Aqui nesta terra vi
Saci montado na jega
Quebrando pé de imbu
Diabo que te carrega
U – Já comeu e descansou
Na sombra que eu te dei
Vai dizer pra teu patrão
Que o umbuzeiro é rei
Das plantas da caatinga
Está escrito na lei
R – Você quer me enrolar
Com esta conversa mole
Vou afiar minha foice
E depois tomar um gole
Pra enfrentar o roçado
E sustentar minha prole
U – Eu pensei que tu pensavas
Mas tu és cabeça dura
Do oco de baraúna
Nem o diabo te atura
Parece que tu és dele
A mais baixa criatura
R – Eu sou cristão batizado
Por São Cosme e Damião
Na capela de Santana
Rezo e tenho devoção
E no terreiro de Oxóssi
Faço a minha obrigação
U – Tua foice é arma fria
Que corta sem piedade
Quem ordena é teu patrão
Que mora lá na cidade
Tu vivendo na miséria
E ele na vaidade
R – O patrão quer terra limpa
Sem nada pra sombrear
No lugar de imbuzeiro
Plantar capim e zelar
Pra engordar a boiada
Mangote de marruá
U – Por aqui eu já estava
Quando o teu patrão chegou
Neste pedaço de terra
Que por teu avô passou
Deste modesto umbuzeiro
Muito umbu ele chupou
R – Conte esta história direito
Quero saber tudo agora,
O que teve o meu avô
Com esta terra outrora?
Responda com precisão
Pois tudo tem sua hora
U – Esta história é complicada
E posso lhe assegurar
Que seu avô era dono
De todo este lugar
E tirava da caatinga
O que ela tinha pra dar
R – Se meu avô era dono,
O que foi que aconteceu?
Se tinha família grande,
Por que será que vendeu?
Se também ninguém herdou,
Nem mamãe, nem pai, nem eu
U – Não foi venda foi um fato
Que a terra estremeceu
Teu avô foi emboscado
Tomou um tiro e morreu
Da arma do teu patrão
Que mandou tu matar eu
R – Minha foice agora pára
Não corto mais imbuzeiro
Esta terra ainda é minha
E não troco por dinheiro
Vou procurar a justiça
Pra não virar justiceiro
U – Viver muito eu agradeço
Foi a minha salvação
Isso faz cinqüenta anos
Que vi esta confusão
Veio me servir agora
Pra permanecer no chão
R – Não corto mais imbuzeiro
Escreva o que vou dizer
Do imbuzeiro o imbu
Da caatinga o bem-querer
No ronco da trovoada
Ver o mato florescer
U – Estou ficando sozinho
Só se ver pau derrubado
Já se foi a quixabeira,
É fogo pra todo lado
Até a Jurema preta
Tem seu destino selado
R – Minha foice derrubou
Muita jurema e arueira
Pau-de-rato e calumbi
Umburana e gameleira
Pra vender lenha no metro
E fazer compra na feira
U – O que tu diz é verdade
Não sei como aqui estou
No último roçado feito
O fogo me sapecou
Por sorte o vento virado
Pra chuva o tempo mudou
R – Até raiz de imbuzeiro
Já fui pro mato arrancar
Ralava em ralo bem fino
E espremia pra tirar
Água doce e cristalina
Pra minha sede matar
U – Você ainda tem jeito,
Percebe que eu servia,
Te dei água no passado
Também te dei rancharia
Tu namorando na moita
Quando a noite escurecia
R – Fico muito encabulado
Com esta sua intimidade
Isto já faz tanto tempo
Estava na flor da idade
Com a cabocla Rosinha
Eu me casei na cidade
U – Aqui eu vi o passado
Aqui estou no presente
Alimento a bicharada
O bicho temido é gente
Que roça e ateia fogo
Pelas costas e pela frente
R – Eu não pego mais em foice
No mato vou semear
Semente de imbu doce
Do que eu gosto de chupar
Nunca mais faço a besteira
De um Pé de imbu cortar
O umbu foi vencedor
Nesta estória que criei
Que quiser que conte outra
Porque esta eu já contei,
Externando meu desejo
Nas palavras que rimei.
O Autor: Marialvo Barreto, é nascido em Ipupiara, Bahia, filho de Amélia Barreto Cunha e Teotônio Barreto, estudou geografia na UFF em Niterói, professor universitário aposentado da UEFS-Universidade Estadual de Feira de Santana, foi vereador na mesma cidade por 2 mandatos. É escritor, poeta e cordelista. Conservacionista implanta o projeto de Recatingamento na sua pequena propriedade Flor de Alecrim no povoado da Matinha em Feira de Santana .
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