Viajar é se emocionar, pelo menos para mim. Eu gosto de chamar as pessoas pelo nome, desde um garçom até o dono do restaurante, gosto de olhar nos olhos, ir na feira livre, fazer perguntas e sentir o povo.
Povos, o Brasil é um país de povos, de comunidades rurais tão diferentes e vibrantes, que, ir ao seu encontro é uma atividade quase infinita. Recebi um desses convites para ver um povo, até então, para mim, desconhecido, um povo brasileiro cheio de sorriso largo, que vive bem distante, e que guarda memórias em sua culinária, roupas, brinquedos, arquitetura.
A convite do SEBRAE – Santa Catarina e da Abractur, participei da FAMTOUR Rota Encantos do Planalto Norte Catarinense; pois é, viajar tem desses mistérios, ir para um lugar que eu nunca tinha ouvido falar, nem sobre geografia, clima, cultura, nadinha, nadinha, nadinha, e essas descobertas é o que me move, chegar com coração puro, mente vazia, e só receber, receber e o quanto essas pessoas tem para dar, chega dá vontade de chorar. Viajar é se emocionar com o tamanho da partilha, com o calor do encontro, com o colorido dos sentimentos e o azul dos céus das matas de araucária.
Eu carrego nome de árvore, Jurema, planta catingueira e resistente, e, a araucária me traz uma similaridade significativa, único pinheiro brasileiro que resiste heroicamente a todo tipo de devastação ambiental desde 1500. Desde o momento que cheguei via aeroporto de Curitiba eu fico olhando de forma insistente para suas copas largas, olho e olho para cima, como se ali, eu fosse uma criancinha e ela minha grande avó, como a personagem Mafalda, que olha pra cima para falar com adultos, eu sinto que essas árvores dialogam comigo, e os encantados que as cercam, não por acaso eu sou Jurema ao CUBO, por que até meu Orixá é Iroko, a grande árvore.
No caminho para Papanduva, mais e mais encantados verdes, mais e mais encontros. Com os colegas de FAMTOUR tive conexão imediata, pessoas que contam histórias e estórias e assim nos estimulam neste movimento. Viajar é movimentar-se , é imigrar por alguns dias, para locais distantes e se abrir ao novo, provar o novo, experimentar o novo, ao ponto de transformar o simples, em incrível.
Uma geleia de tangeriana é tão simples, mas, é incrível colher as bergamotas, assim são chamadas este cítrico, sob a neblina densa e pesada nos campos rurais de Itaiópolis. Uma paisagem daquelas que a gente aqui do Nordeste só vê em filmes, é adentrar pelo plúmbeo das gotículas , respirar o ar gélido e se deliciar com o frescor e azedinho da tangerina. Uma foto ou vídeo nunca serão capazes de expressar este sentimento de abundância dos frutos generosamente oferecidos no sítio Ebenezer.
Uma geleia de amora, é tão simples, não fosse a incrível história de uma mulher agricultora que teve a coragem de plantar e colher frutos até na política, uma família sozinha cuidando das ovelhas, do pasto, da horta, da agricultura de frutas vermelhas, e da recepção dos turistas como foi no Sítio Campina em Monte Castelo.
Uma pintura de um galinho colorido na parede é tão simples, não fosse a incrível habilidade de uma família de descendentes de poloneses em guardar receitas de seus antepassados por mais de um século, não fossem as mãos artísticas que pintam artes visuais por toda uma comunidade, seja na restauração do Museu e da igreja, e também nas artes culinárias, como foi no Pierogarnia Lis, pequeno e imperdível restaurante em Alto Paraguaçu em Itaiópolis, altíssima gastronomia tradicional. A incrível saga desta família que nos faz acreditar que sim, o interior do Brasil tem charme tão brasileiro, por que é essa diversidade que o faz tão rico.
Um chazinho é uma coisa simples, não fosse a incrível saga de manter viva a tradição indígena da erva mate, da agricultura regenerativa que os produtores estão a cada dia com mais empenho, como vi em Canoinhas. Gelado, frio, chimarrão, tereré ou picolé, erva mate é uma unanimidade, nas praias do Sudeste, no Sul , nas fronteiras e no Nordeste.
É emocionante o empenho das mulheres “faca na bota” para o bem receber, o bem servir, o bem abraçar, cada descida do ônibus era um carinho, um afago, um presente, um chamego, é um povo que vê a vida mudar por causa do turismo rural e do turismo regional, agora só falta o resto do país conhecer o norte de Santa Catarina, o turismo é agregador, o turismo de experiência faz com que olhemos nos olhos e sintamos as emoções, nos faz partilhar a mesa e o pão com os diferentes, num tempo de tanta polaridade extremista e burra, o turismo rural celebra a PLURALIDADE QUE VIBRA, que expande, que abraça.
O olhar simples e gentil da Cris, minha companheira nestes dias gélidos, o olhar determinado da Cintia e da Gláucia, as turismólogas responsáveis técnicas pelo evento, o olhar atencioso do nosso motorista, e de tantos trabalhadores, artistas, artesãos, que transformaram esta FAMTOUR de um acontecimento simples em incrível. Olhar, sentir, provar, viver, a Rota Encantos do Planalto Norte é isso. Olhares que acolhem.
Estendo estas palavras para todas as mulheres rurais, de todo o país, que abrem suas casas e pequenas propriedades para receber turistas, de norte à sul. Desejo que elas recebam com igualdade de oportunidades os investimentos turísticos e econômicos, que elas tanto precisam para que cada dia possamos sentir mais e mais vontade de viajar e com muito mais dignidade para todos.
Entre pés de juremas e araucárias sigo feliz por estes caminhos verdes do Brasil.
Se você ainda não sabe Vou lhe dizer o que é O umbuzeiro é uma planta Que na caatinga tem pé Resistente a toda seca Sagrado pra quem tem fé
É um símbolo do Nordeste Onde o sol é de rachar No tabuleiro e na serra Em todo lugar estar Só existe no sertão Porque este é seu lugar
É uma moita fechada Capricho da natureza Sua sombra é muito fresca É grande a sua beleza Umbu é como se chama O fruto que vai pra mesa
Da caatinga é a rainha Das plantas que Deus criou Alimenta rico e pobre Analfabeto e doutor E o sabor da sua fruta Nosso povo consagrou
O sertanejo é quem chama Sua fruta de imbu E serve de alimento Para mico e caititu Pra bode, cabra e ovelha, Guará, raposa e tatu
Tem umbu que é bem doce Como o mel de uma flor Também quando é azedo Na boca chega dar dor Faz bode berrar zangado Relegando seu sabor
Tem umbu liso e redondo Verde, maduro e inchado, Grande, médio e pequeno, Tem até umbu rachado Tem do caroço miúdo Pra se chupar descascado
A coisa que mais me alegra É ver umbu “fulorar” E escutar as abelhas Com zum-zum-zum a voar Ver o renovar da vida Presente neste lugar
Na época das trovoadas Depois do mês de setembro Sua safra é de fartura Ainda bem que me lembro Do chão forrado de frutas Em pleno mês de dezembro
No sertão tem o costume De umbuzeiro dar nome, Tem pé de umbu da pedra Da cobra e do vagalume, Da onça e da vaca seca Da cacimba e do velame
Tem umbuzeiro de Tonha De Zé de Sarapião, De Zeca de Zé Pretinho De Rosa e Mané Bião De Bidé da Gameleira E de Cosme Gavião
Outras frutas da caatinga Correm o risco de acabar Já não vejo mais o icó, Cambuí e cambucá Ah! Como tenho saudade… Do gosto do trapiá
Quando o umbuzeiro cresce Na beira de uma estrada É açoitado de vara Recebe muita pedrada Fica todo arrebentado De tanto levar pancada
A folha do umbuzeiro É alimento sagrado No desespero da seca Vira comida de gado E todo bicho que vive Pelo sertão embrenhado
Mas nem tudo é alegria Pelas grotas do sertão Tem fazendeiro malvado Raivoso e sem compaixão Cortando pé de umbu Pra plantar capim no chão
Devasta toda a caatinga Sem dó e sem piedade Corta até o umbuzeiro Na mais dura crueldade Sem falar no juazeiro Pra completar a maldade
Acho muita malvadeza Tirar raiz de umbuzeiro Pra fazer doce de corte E se trocar por dinheiro E prejudicar a planta No período do sequeiro
Se o umbuzeiro falasse Eu passei a imaginar Como seria a peleja Com quem fosse lhe cortar E leia com atenção O que tenho pra contar
U aqui é umbuzeiro R aqui é roçador Vai ser uma peleja dura De sentimento e de dor Entre a bela natureza E o ser devastador
U – Aqui eu nasci e cresci Na seca deste torrão Espalhado em toda parte Pelas brenhas do sertão Forneço sombra e alimento Aos viventes deste chão
R – Estou de foice na mão Pelo patrão enviado Vou roçar esta caatinga Deixar o mato virado Arrumar tudo em coivara Que pasto vai ser plantado
U – Com mais de quinhentos anos Que nesta terra nasci Nunca vi o seu patrão Catando umbu por aqui Vá e pergunte pra ele Qual foi o mal que lhe fiz
R – O capataz me chamou Pra fazer este serviço Foi a mando patrão Não vejo nenhum mal nisso Receber sete reais De diária o compromisso
U – Se você catar umbu E for à feira vender Vai aumentar o valor Em dinheiro pra você Vai dar sete vezes sete É só conferir para crer
R – Mas se o imbu está verde Como é que vou fazer? Se já tivesse maduro Quem sabe não ia ver Se eu enchia um balaio Pra na cidade vender
U – Sua pressa é sem razão Veja o que vou lhe contar Apressado come cru Diz o dito popular Estou lhe dando um conselho Só quero lhe ajudar
R – No aço da minha foice Ganho o pão de cada dia Sustento mulher e filho Lá na minha moradia Vou derrubando caatinga Que acho sem serventia
U – Deixe de ser rude homem Que por aqui já lhe vi Chupando umbu maduro E quebrando licuri Comendo fruta de palma E caçando juriti
R – Isto já faz muito tempo É coisa do meu passado Na minha morada agora Tem velhinho aposentado Do mato tenho lembranças De quando ‘tava apertado
U – Ainda me lembro bem Quando aqui você chegou Fez o trabalho e sumiu Deixando grande fedor Mas do umbu tinha caroço Na “ruma” que tu deixou
R – Se imbuzeiro fosse Planta que desse dinheiro Seria coisa difícil Só tinha no estrangeiro Mas como só dá imbu Vira pau de galinheiro
U – Do umbu faz doce e suco, A saborosa umbuzada, Vai misturada com leite Com açúcar é adoçada Reforçando o sertanejo Na sua dura jornada
R – Faltam 10 pra meio dia Vou a panela esquentar A barriga já roncou Vou minha fome matar Debaixo deste imbuzeiro Depois vou me descansar
U – Minha sombra agora serve Para a tua maresia Vou açoitar os meus galhos Na força da ventania Para lanhar as tuas costas Cabra ruim sem serventia
R – Praga de urubu magro Em boi gordo ela não pega Aqui nesta terra vi Saci montado na jega Quebrando pé de imbu Diabo que te carrega
U – Já comeu e descansou Na sombra que eu te dei Vai dizer pra teu patrão Que o umbuzeiro é rei Das plantas da caatinga Está escrito na lei
R – Você quer me enrolar Com esta conversa mole Vou afiar minha foice E depois tomar um gole Pra enfrentar o roçado E sustentar minha prole
U – Eu pensei que tu pensavas Mas tu és cabeça dura Do oco de baraúna Nem o diabo te atura Parece que tu és dele A mais baixa criatura
R – Eu sou cristão batizado Por São Cosme e Damião Na capela de Santana Rezo e tenho devoção E no terreiro de Oxóssi Faço a minha obrigação
U – Tua foice é arma fria Que corta sem piedade Quem ordena é teu patrão Que mora lá na cidade Tu vivendo na miséria E ele na vaidade
R – O patrão quer terra limpa Sem nada pra sombrear No lugar de imbuzeiro Plantar capim e zelar Pra engordar a boiada Mangote de marruá
U – Por aqui eu já estava Quando o teu patrão chegou Neste pedaço de terra Que por teu avô passou Deste modesto umbuzeiro Muito umbu ele chupou
R – Conte esta história direito Quero saber tudo agora, O que teve o meu avô Com esta terra outrora? Responda com precisão Pois tudo tem sua hora
U – Esta história é complicada E posso lhe assegurar Que seu avô era dono De todo este lugar E tirava da caatinga O que ela tinha pra dar
R – Se meu avô era dono, O que foi que aconteceu? Se tinha família grande, Por que será que vendeu? Se também ninguém herdou, Nem mamãe, nem pai, nem eu
U – Não foi venda foi um fato Que a terra estremeceu Teu avô foi emboscado Tomou um tiro e morreu Da arma do teu patrão Que mandou tu matar eu
R – Minha foice agora pára Não corto mais imbuzeiro Esta terra ainda é minha E não troco por dinheiro Vou procurar a justiça Pra não virar justiceiro
U – Viver muito eu agradeço Foi a minha salvação Isso faz cinqüenta anos Que vi esta confusão Veio me servir agora Pra permanecer no chão
R – Não corto mais imbuzeiro Escreva o que vou dizer Do imbuzeiro o imbu Da caatinga o bem-querer No ronco da trovoada Ver o mato florescer
U – Estou ficando sozinho Só se ver pau derrubado Já se foi a quixabeira, É fogo pra todo lado Até a Jurema preta Tem seu destino selado
R – Minha foice derrubou Muita jurema e arueira Pau-de-rato e calumbi Umburana e gameleira Pra vender lenha no metro E fazer compra na feira
U – O que tu diz é verdade Não sei como aqui estou No último roçado feito O fogo me sapecou Por sorte o vento virado Pra chuva o tempo mudou
R – Até raiz de imbuzeiro Já fui pro mato arrancar Ralava em ralo bem fino E espremia pra tirar Água doce e cristalina Pra minha sede matar
U – Você ainda tem jeito, Percebe que eu servia, Te dei água no passado Também te dei rancharia Tu namorando na moita Quando a noite escurecia
R – Fico muito encabulado Com esta sua intimidade Isto já faz tanto tempo Estava na flor da idade Com a cabocla Rosinha Eu me casei na cidade
U – Aqui eu vi o passado Aqui estou no presente Alimento a bicharada O bicho temido é gente Que roça e ateia fogo Pelas costas e pela frente
R – Eu não pego mais em foice No mato vou semear Semente de imbu doce Do que eu gosto de chupar Nunca mais faço a besteira De um Pé de imbu cortar
O umbu foi vencedor Nesta estória que criei Que quiser que conte outra Porque esta eu já contei, Externando meu desejo Nas palavras que rimei.
O Autor: Marialvo Barreto, é nascido em Ipupiara, Bahia, filho de Amélia Barreto Cunha e Teotônio Barreto, estudou geografia na UFF em Niterói, professor universitário aposentado da UEFS-Universidade Estadual de Feira de Santana, foi vereador na mesma cidade por 2 mandatos. É escritor, poeta e cordelista. Conservacionista implanta o projeto de Recatingamento na sua pequena propriedade Flor de Alecrim no povoado da Matinha em Feira de Santana .
O Umbu é uma fruta tipicamente brasileira, endêmica, por que só nasce no bioma Caatinga. Eu nasci em Seabra, no coração da Chapada Diamantina e centro da Bahia. Desde criança eu ficava sonhando em chegar o mês de dezembro, não só por causa do Natal, dos presentes comerciais, mas dos presentes naturais. Dezembro é mês de umbu e de mangaba, mas, sobre as mangabeiras, serão outras escritas.
Após provar um chocolate de umbu eu senti uma vontade avassaladora de escrever, dentro de mim algo estava pujante, deixei até de ir num compromisso ambiental, por que as palavras estavam me dominando.
Voltemos a infância em Feira de Santana, onde tem umbu, mas são mais tímidos, árvores menores, tinha muito mais cajá, então eu ficava sonhando com a viagem para Seabra na casa de vovó Amélia e chegar na feira e ter aqueles umbus enormes que vinham de Oliveira dos Brejinhos ou da Prata . Quando comecei a andar por Irecê e Jussara, e, descobri a roça de tio Licínio, foi uma paixão avassaladora, cada umbuzeiro digno de batismo e tombamento. Assim como na cidade de Sabará alugam 1 pé de jabuticaba para chupar, deveriam fazer com o umbuzeiro. É tanto umbu gostoso e diferente que fico imaginando a injustiça e tristeza de bilhões de pessoas no mundo que desconhecem este alimento. Partindo desta ótica, eu sou privilegiada demais, conheço centenas de pés de umbu.
Da infância para adolescência, parece aquela passagem de tempo de novela brasileira, mas com uma marca indelével, os dentes manchados de umbu, e desgastados, cada dia os dentes frontais mais deformados e quase sem solução, doíam e muito chupar umbu e tem as técnicas ancestrais de morder o galhinho novo de umbu para a resina proteger os dentes. Fiz tudo isso e faço, mas o desgaste vem.
Nada resolveu, fui até a idade adulta sofrendo com idas ao dentista e as técnicas de chupar umbu com uma faquinha na mão viraram rotina, por que agora sou proibida de morder virulentamente o fruto, é tudo descascado com a faca afiada e colocado na boca com cautela. Andanças e andanças mil, até que me mudo para Ilhéus, para estudar direito. Aqui não tem umbu, aqui é Mata Atlântica e Cabruca cheinha de cacau. Outro fruto entra em minha vida. Mas, na Bahia, tem a história dos ambulantes, então chega umbu nos carrinhos de mão, nas ruas do centro, na feira livre, mas nada se compara a chupar no pé, com aquela casca verde crocante, é uma sensação inigualável, única, um deleite aos ouvidos o “croc croc”, um sabor irresistível do cítrico e do açúcar. Chupar umbu no pé deveria ser atração turística com cobrança de ingresso e ticket.
Belo dia, descubro que meu pai escreveu um cordel com o título : “SE UMBUZEIRO FALASSE”, é uma obra prima da escrita e da poesia popular, Marialvo é geógrafo e chapadeiro de Ipupiara, amante da caatinga e conservacionista. Eu lia o texto e ia me derretendo em lágrimas, sonho em poder musicar e transformar numa peça de teatro, ou numa opereta, é uma obra prima da sociologia rural, das disputas de terra e injustiças sociais no campo e da biologia da conservação, só quem domina muito a língua e o tema é capaz de escrever com tamanha maestria. Sonho que este poema seja conhecido por todo o mundo.
Então a paixão pelo umbu, foi crescendo, pelo prazer do paladar, pela escrita de meu pai, pela importância da árvores no sertão e na ecologia.
E os dentes sofrendo, sofrendo ao ponto de todas as fotos de viagem ficarem sempre com aquele dentinho manchado, de tanto desgaste natural com o cítrico da fruta.
Só que o umbu começou a ter concorrência, a mudança para estudar nas terras grapiúnas de Ilhéus foi ficando mais longa, pós graduação, trabalho, casa própria, casamento, envolvimento comunitário e Cacau entrou definitivamente em minha vida. As viagens para Seabra e Feira de Santana ficaram menos constantes e o fruto ouro foi entrando sorrateiramente no meu cotidiano. É suco de cacau, é mel de cacau, é licor de cacau, é geleia. Mas, o chocolate fino foi bem devagar, a primeira vez que provei foi em 2004 na eleição para reitoria a UESC, o marido de professora Adélia, então candidata, trazia de lanche pra gente, uns bombons maravilhosos. Fausto nem podia imaginar o que fez conosco, despertou sensações únicas, momentos sensoriais impressionantes.
Mas não era fácil de achar e tudo ainda era muito novo neste universo em Ilhéus, a pobreza em face da crise econômica assolava as propriedades e fazendas. Até que um dia fui para um evento regional que se chama Festival do Chocolate, de stand em stand fui conhecendo um universo mágico e daí em diante não parei mais de provar essas “barrinhas”. São aventuras semanais de experimentação, até que na loja da Dengo onde vende multimarcas, me deparei com uma barrinha de Chocolate 70% e Umbu. A curiosidade foi imediata, oxe? como assim ? como pode ? quem faz ? quem criou ? quanto é ? como é ? da onde vem ? cheguei em casa e fiquei olhando a embalagem até decifrar este mistério, e bote oxe? melhor oxe oxe oxe, a gente repete 3três vezes.
O nome da barra é Mission Chocolate. Não sei nada sobre a marca e os idealizadores e isso que me encanta, escrever no escuro, não vi nada nas redes sociais, não li, não estou sugestionada, posso falar com pureza.
Eu já tinha algumas preferidas e agora aumentou a listinha das prioridades. Assim como Umbu é uma espécie funcional de grande relevância ecológica, esta barrinha ganhou grande relevância no meu universo particular de deleite.
São quadrados de geleia de umbu milimetricamente adicionados na barra, como uma obra de arte geométrica. Não sei quem criou isso, só sei que biologia da conservação é matemática, é cálculo, é estudo. Chocolate fino também, é o que vi e senti, até a embalagem é de uma delicadeza artística elaborada.
Um fruto amazônico e outro catingueiro, um fruto doce e outro ácido, um fruto da abundância de água e outro da escassez, um fruto de casca dura e outro de pele tenra, um fruto de sombra e outro de sol, e nesta dicotomia de frutos protegidos por povos ancestrais que se unem duas paixões que carrego em minha alma. Cacau e Umbu. Um muito obrigada às mãos talentosas que fez este chocolate que parece ser uma missão de vida como diz o nome da marca que acabei de conhecer.
Sobre os dentes? Ainda bem que surgiu a tal da faceta de resina e agora posso morder umbu de novo no pé, paixões preservadas pelo ecossistema e pela minha dentista.
Leia também : Ode ao Mel de Cacau – poema lírico e neoparanasiano sobre o líquido precioso e raro
Ilhéus precisa Renascer– crônica sobre conjuntura política e a nova versão da novela da Globo
A decadência extrema– crônica sobre o centro histórico de Ilhéus e suas vivências
Precisei fazer uma viagem ao Rio de Janeiro tanto a trabalho como visitar parentes e parece que cometi um grave crime: EU VIAJEI SOZINHA
Desde que voltei estou angustiada pensando nesta crônica, primeiro pensei em intitular de : o Homem Invisível , porém como sou advogada, puxei pelo lado jurídico.
Sim, uma mulher viajar sozinha, para uma grande capital parece o cometimento clássico de um crime. Existe todo um modus operandi do turismo : Casal? Família? Amigos? Grupos de Excursão? Mas viajar só parece um crime aos olhares alheios.
CENA DO CRIME – PARTE 1
De cara quando você chega no hotel vem uma frase que ouvi 2 vezes nos hotéis que me hospedei :
– Está esperando alguém? Mais alguém para se hospedar?
Senhoras e senhores, eu fiquei pasma!! Levei na esportiva, mas não deixei de comentar:
– Senhora na minha reserva diz o quê?
– 1 pessoa?
– Então 1 pessoa, é 1 pessoa… algum problema? É “estranho” ver mulher sozinha?
– Não, não, me desculpe, boa estada!
Sabe, ninguém foi descortês comigo, ou mal educado, mas a semiótica das frases e perguntas eram lamentáveis. Eu cheguei sozinha, desci do táxi sozinha, estava sozinha no balcão, tinha apenas 1 mala, e me pergunta se o quarto é para 1 pessoa????? Valei-me!!!! Santo machismo!!!!
Eu fico a imaginar… … era um Hotel 4 estrelas, no Rio e Niterói … fiz reservas com antecedência, já estavam pagas, no sistema do hotel aparece 1 pessoa, 1 quarto. E as perguntas são tão machistamente absurdas que fiquei a imaginar situações bizarras tão quanto a pergunta?
Será que a recepcionista do Hotel tem esquizofrenia e vê vultos e pessoas??? Por que eu estava sozinha no balcão, ninguém mais.
Será que ela é médium espírita(ressalvada a brincadeira) e via pessoas ao meu lado? Só pode ser meu anjo da guarda para me proteger de tais atos de machismo.
Será que lançaram o filme O HOMEM INVISÍVEL e eu não estava sabendo?
Será que eu tinha cara de profissional do sexo e estava esperando alguém??? (e tem cara para isso??? sou advogada de várias prostitutas e tenho orgulho de defender mulheres)
Será que eu tinha cara de golpista, iria me hospedar sozinha e colocar alguém para dentro do quarto, dar um olé no Hotel? Vê se tenho cara de apoiar golpe?? minha gente só para lembrar #FORATEMER
nenhuma das respostas anteriores ….. AAAAAAHHHHHHH!!! A CRIMINOSA aqui estava sozinha mesmo. O julgamento moral é constante e permanente.
Aproveitei para dialogar humildemente com os recepcionistas, uma mulher e um homem sobre aquelas perguntas, eram estranhas, quem sabe eles não mudam a política.
CENA DO CRIME – PARTE 2
O que tem de mais carioca em comer bolinho de bacalhau e tomar um chopp escuro? HUMMM, adoro. Minha mãe é de Niterói, então é um hábito passado de mãe para filha. Você senta em qualquer barzinho delicioso da Zona Sul(que é um gueto, pena que o resto da cidade não seja assim, os cariocas de todos os bairros merecem uma cidade limpa, segura e saudável), aí começa nosso diálogo:
– Mesa para 1 por favor?
– Para 1?
– Sim, para 1.
– Cardápio por favor?
– aceita uma água ou suco?
– hãaa, “whisky duplo por favor” ??? brincadeira
Outro Bar:
Você senta, pede uma cerveja, aí vem o garçom com 2 copos:
– Oi? 1 copo, só, por favor?
– Está esperando alguém?
– Por que estaria?
Se chegar outra pessoa ou pessoas com certeza eu pediria outros copos.
Mas uma mulher sentada sozinha no bar, é “incompleta”, somente um homem para fazer uma unidade.
Sai sozinha para uma balada é cometer crime continuado, fui numa famosa casa de samba na Lapa. Já o começa pelo Uberista: Mas você está sozinha??? “Poxa!!!” Poxa de quê? Minha viagem está ótima! A outra : ” Você não tem medo? Andar sozinha?”??? Quase abro a página de Grande sertão Veredas e soletro Guimarães Rosa: “V-I-V-E-R É MUITO ARRISCOSO”. Bem, ando de Uber justamente por que acho muito mais seguro.
Bilheteria:
– 1 ingresso , por favor?
– Só 1?
– Sim, só um?
Pede uma cerveja ao garçom, ele também vem com 2 copos, mas você está sentada sozinha na mesa, é demais, será que precisa de óculos, ou aquele homem invisível está do meu lado ainda? !!!
Aí sempre tem um engraçadinho puxando papo, algum até educado, sendo educado, eu não ligo não, eu gosto de conversar e fazer amizades, sem flerte, claro.
Um engraçadinho passa e diz: – ô que pena, ela tá sozinha! pena de quem?, eu estava me divertindo horrores com a banda Blood Mary and Munsters.
Dançar sozinha: outro crime, ficam olhando, parecendo que sou ET e eu só mandando beijinho no ombro.
Definitivamente eu fui condenada, na compra de um ingresso do museu, no teatro, pelos garçons: a frase, está sozinha, ôôô!! Ainda ouvi a pérola “se fosse minha mulher eu não deixava não, seu marido deve sentir muito ciúme.” Uma preciosidade da machista língua portuguesa, análise sintática da frase, onde está o Sujeito? MORTO!!! Que nada! Ando bem mais leve com relação a esses comentários, fui educada com o rapaz e mostrei o outro lado da coisa, e fiz ele pensar sobre esta frase tenebrosa, fizemos até amizade, hoje em dia, penso que devemos fazer enfrentamentos quando realmente é necessário e não gastar energia à toa. Se fosse rude com ele só estaria devolvendo a mesma violência que ele me disse, sim, é uma frase VIOLENTA. Sou dona de meu corpo, meus pés, meu destino. Escolhi caminhar junto de meu esposo e o respeito, mas isso nunca me impedirá de ter liberdade, ainda mais que era um compromisso de trabalho e familiar. Claro que o Rio de Janeiro continua lindo e aquele rapaz da frase VIRULENTA, me pediu desculpas e disse que não iria mais pensar assim, talvez minha gentileza tenha combatido o machismo, mesmo que só um pouquinho!!
GENTILEZA GERA GENTILEZA, apesar de tentarem me INVISIBILIZAR, fui altiva, fui, vi e amei! me reconciliei com o Rio de Janeiro e no próximo post eu darei dicas desta viagem incrível.
Hoje acordei com a notícia de que os recursos do FIES foram reduzidos. Menos financiamento estudantil, menos pessoas nas universidades particulares que conseguem suprir as demandas de tantos que querem retornar aos bancos das faculdade, que precisa estudar à noite, etc. (mais…)