por Jurema | dez 11, 2016 | Blog, Literatura, Turismo
Por Jurema Cintra Barreto- advogada e defensora de Direitos Humanos
Advogar é essencialmente caminhar pelo mundo. Nessa vida de audiências e carrascos prazos, visitamos várias Comarcas, cidades, presídios, enfim. Em Ilhéus , nosso escritório fica no Centro da cidade, bem no Calçadão da Marques de Paranaguá.
Infelizmente Ilhéus não tem estacionamento rotativo, a Justiça Federal criou 1000 normas para pararmos lá, enfim estacionar no Centro é complicado e penoso. Em Itabuna depois da Zona Azul não passamos mais por esse suplício pois sempre há vagas.
Eu que tenho tantas ressalvas sobre os flanelinhas, em Ilhéus, apenas em Ilhéus prefiro usar o velho método baiano. Paro no estacionamento “popular” , na frente da Caixa Econômica nova , onde ficavam os trapiches hoje demolidos.
Boca é o nome do flanelinha; sempre sorridente, educadíssimo e em nenhuma momento opressor. Pelo linguajar e comportamento vê-se um lavador de carro diferenciado. Qualquer profissão tem aqueles que se destacam. Todos os dias cedinho ele está lá organizando os carros, orientando, nos socorrendo. Sim, socorro mesmo por que quando você tem uma audiência , um compromisso e não consegue estacionar, é desesperador, por tal motivo e também pela defesa do uso coletivo das vagas é que sou radicalmente a favor da Zona Azul nas cidades. Boca é um trabalhador de tamanha confiança que todos deixam até a chave do carro com ele, um manobrista clássico, que mesmo com todas as dificuldades que a vida deve ter lhe imposto, ele é um anjo naquele centro poluído.
Bem, onde fica a decandência do título do artigo?
Quem estaciona e anda pelo Centro de Ilhéus, vê a miséria humana personificada nos usuários de crack, nos mendigos e favelados, nas pessoas em situação de rua, tão e tão frequentes.
No muro do antigo trapiche que ficou de pé, vemos hodiernamente os usuários de crack, se esgueirando entre o muro e o mangue, para numa pequena fresta atravessar para sua cracolândia particular. Ali no muro, um grafite de porcos de capacete. Homens e mulheres esquálidos, animalizados, tomados pelo vício, absortos.
Ontem vi um homem idoso, ele até parecia meu avô mais moço, imediatamente fiquei em choque. Um idoso! Aquele homem me despertou para o tamanho de nossa decadência. Perguntei a Boca, o lavador de carro, se aquele era frequentadorcomum, por que eu nunca o tinha visto. Algumas figurinhas já são bem carimbadas: uma moça que fica 365 dias do ano grávida, já deve ser o sexto ou sétimo filho nascido na “boca”. Dois homens negros e altos, mulheres esquálidas.
Boca, o lavador que não é da “boca” me fez um relato supreendentemente até então. Uma senhora de 70 anos frequenta a cracolândia de Ilhéus. Agora eu que fiquei absorta. A Prefeitura e sua estrutura social visitam o local frequentemente, assim continuou o relato, mas o poder desta droga não permite melhores avanços.
Fico em dúvida se a Decadência é daquele idoso , ou minha e nossa que não conseguimos enxergar o ser humano, que sentimos medo de gente, que não fazemos pesquisas médicas e farmacológicas para banir o vício, ao invés culpabilizamos, criminalizamos, invisibilizamos essas pessoas. Tanta pesquisa sobre medicina estética enquanto para este grave problema de saúde pública, os pobres só tem alternativas questionáveis como os centros de apoio religioso. Digo os pobres por que famílias ricas, pelo menos, tem à disposição clínicas psiquiátricas bem caras.
E a Decadência de Ilhéus continua visível a olhos nus.
por Jurema | out 14, 2016 | Blog, Direito, Geral, Literatura
Ou , sobre o exaustivo processo eletrônico
Por Jurema Cintra Barreto
advogada militante e capacitadora em processo digital
Cronicazinha concreta
Conselhos para um jovem advogado em 1970:
Estudar, Ler, Formar-se em direito
Datilografar
Peticionar
Esperar intimação pelo oficial de Justiça
Ter dor de cabeça
Receber honorários
Conselhos para um jovem advogado em 1990:
Estudar, Ler, Formar-se em direito
Digitar
Protocolar
Esperar intimação pelo correio, ops!! Diário Oficial também
Ter enxaqueca e raiva
Receber poucos honorários
Conselhos para um jovem advogado HOJE
Estudar, Ler(“ctrl C” no Google), Formar-se em direito
Digitardigitardigitardigitardigitardigitardigitardigitardigitardigitardigitardigitardigitardi
Peticionar/postar/enviar/remeter/anexar
Plugar o Token
Abrir PJE de 1º grau
Abrir PJE de 2º grau
Abrir PJE de 3º grau
Abrir Projudi
Postar no e-SAJ
Ver e-proc
Ver e-STF
Ver e-STJ
Fazer downloads de processos
Ufaaaaa!!!!
Atualizar Java
Atualizar Mozilla
Atualizar Google Chrome
Atualizar conversor de PDF
Não esqueça do Internet Explorer
Desbloquear Plug-ins
IPhone na Mão
IPad na palma da mão
Macbook na ponta dos dedos
tum tum tum
(Rezar para Internet não c
a
i
r(suspirar))
Ver todas as intimações on-line que chegam ao mesmo tempo, AGORAAGORA
Responder os e-mails/posts/twetts/whatsApp dos clientes
Clicar o mouse milmilhõestrilhões de vezes para dar entrada em um única causa
ter Dor de cabeça e enxaqueca como amigas fiéis
ter LER, ter DORT, ter tendinite, ter bursite pra vida toda
E no fim ….. Receber pouquíssimos honorários
por Jurema | jan 23, 2016 | Geral, Literatura
Crônicas de ITABUNA. por Jurema Cintra Barreto
O velho e tranquilo Soares parece que sempre esteve ali, na praça Olinto Leone, mais famosa como praça do Banco do Brasil. Era uma churrascaria com aquelas cadeiras vermelhas de cervejaria bem arranhadas pelo tempo. Bêbados diurnos, boêmios, idosos e jogadores do bicho se aglutinavam. Lá dentro, quase uma catacumba, era escuro e grande. A comida sempre foi boa, sabor e churrasco. Existiam aquelas figuras típicas que batiam o ponto lá, a boemia pode ser um trabalho árduo, presença constante, amizades a se descobrir e contas para pagar. Algumas coisas inconfessáveis já ocorreram lá, dizem as boas línguas dos amigos. Belo dia, dezenas de tapumes esconderam toda aquela confusão visual em pleno Centro. A churrascaria Soares dividiu-se em duas partes. Uma cinzenta loja de utilidades que fechou e agora é Pet shop. A modernidade tenta a todo custo acabar com a boemia através das mais ardilosas formas capitalistas de ser, colocar ração no lugar dos típicos e atípicos personagens urbanos, como pode? A salvação ainda era possível. Soares ressurge das cinzas, a outra metade dividida vira o restaurante à kilo da família, comida boa demais, o tempero e comida sempre foi bom, a questão era o ar de tumba descoberta do século XVII.
O velho e tranquilo Soares ainda está ali assando suas carnes, na grelha toda metida à chique ao invés daquele forno engordurado de outrora, mas ele está lá.
Suas filhas na cozinha, o suco de coco verde para nos lembrar que aqui é a Bahia, arquitetura leve. Parece como qualquer outro restaurante à kilo na cidade mas observando bem não é em todo lugar que podemos relembrar tantas histórias. Vou almoçar tarde e logo reconheço os saudosistas: aquele homem de cabelos brancos quase cinza tomando uma cervejinha na mesinha do canto. Vejo os olhares maledicentes e raivosos de algumas senhoras “da sociedade” que exprimem seu rancor, afinal onde estaria a moral da família itabunense? Vejo os familiares de Soares nestas tardes de almoços fora de hora. Vez em quando aquela senhora idosa, toda arrumadinha sendo paparicada, só pode ser a matriarca. Meu estômago sente, meu coração também. Avô, filha, netinho sapeca, funcionários atenciosos e amorosos com a esquisitona das duas da tarde. Pergunto logo se sobrou alguma coisa para mim. Logo vem os sorrisos. A praça continua lá com suas folhas secas no chão.